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24 de outubro de 2013

Um dia de chuva

Jardim Diana - Évora

"Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é."

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"

22 de outubro de 2013

Fado vadio no bairro da Graça

Não desprezando o eléctrico 28, um percurso diferente para visitar a Tasca do Jaime no bairro da Graça, subindo pela Mouraria.
Mouraria, Lisboa

Da Mouraria à Graça
Subir à Graça pela Mouraria é provar um pouco da essência dum bairro típico alfacinha.
Entra-se por uma rua estreita nas traseiras do multicultural Centro Comercial da Mouraria. Segue-se o instinto, sem referências, sem pressa.
Na rua estreitinha frente a uma taberna, uns sentados nos degraus de casa outrora habitadas, outros de pé, homens que habitualmente se encontram, vindos de diferentes zonas de Lisboa, tendo em comum vidas vividas, lembranças de outras eras na Mouraria.
Continuando a subir, da janela de um segundo andar, D. Maria da Conceição responde a um "boa tarde". Há dois anos na Mouraria, a Câmara arranjou-lhe esta casa, vivia há décadas ao Chile mas o prédio está a ruir. Há muito que veio da Madeira, há anos que lá não vai e tem saudades. A antiga vizinhança ficou espalhada, aqui não sente o mesmo, diz que fala pouco com os vizinhos.
Subindo uma e mais outra rua chega-se ao miradouro da Graça, esplanada repleta de locais e turistas. Lisboa aos pés e o Tejo, o castelo de S. Jorge ao lado direito e, no oposto, um pouco mais acima, o miradouro da Senhora do Monte.
Passagem pela Vila Souza, uma das vilas operárias existentes no bairro da Graça. Excepção para a Vila Bertha, nome da filha do proprietário de uma quinta que decidiu urbanizar uma parte, direccionada à pequena burguesia. Comparativamente às restantes vilas, apresenta melhor qualidade, conservando até hoje a traça original, as varandas de ferro, as fachadas ornamentadas com azulejos e o chalet onde a família morava.
Tasca do Jaime, Bairro da Graça, Lisboa

Fado, pastéis de bacalhau, vozes e guitarristas e o deslizar do eléctrico 28
Laura recebe todos que chegam à Tasca do Jaime como se cada um fizesse parte da família. Uma grande família. Sorriso aberto convida quem espreita à porta, ou porque não conhece, ou porque tenta perceber se há um espaço naquela casa pequenina cheia de alma e de vida.
Balcão corrido do lado direito. Do esquerdo, uma fila com meia dúzia de mesas cobertas de toalhas aos quadrados vermelhos e brancos. No canto ao fundo, um microfone pendurado, a viola, a guitarra e os fadistas que vão rodando a cada duas músicas. Nas paredes, retratos de fadistas, folhas de imprensa emolduradas, um nicho com Nossa Senhora.
Consumir é uma imposição para quem se senta. Não só porque o espaço é pequeno mas porque é mais económico, muitos bebem ao balcão ou vêm à porta de copo na mão e um pastel de bacalhau. Jaime, ao balcão atende os pedidos dos fregueses.
"Não sou a dona, o dono é o Jaime, o meu marido". É Laura quem orienta. Quem manda calar quando o silêncio deve reinar para que se cante o fado. "O modo de lhes pagarmos. O silêncio."
"Somos conhecidos no mundo inteiro" - tira do bolso da bata uma folha A4 dobrada, entregue há pouco por uma turista americana que teve conhecimento do lugar no país de origem. Quando a voz do fado e as guitarras descansam, Laura fala e sorri sem parar.
"É engraçado, muitos que vêem aqui pela primeira vez são trazidos por turistas". E conta como o bairro se enceu de estudantes de todo o Mundo, no projecto "500 mãos do Mundo vão mudar o bairro da Graça". Mudaram e, todos ou quase todos passaram pela tasca.
O intervalo prolonga-se e há quem pergunte quando há mais fado. Laura vem à porta e chama os guitarristas entre eles o seu filho Duarte, 17 anos, para quem as cordas dançam nos dedos. E anuncia o próximo, um jovem fadista solta de si o fado vadio, sentido, com alma e emoção.
É este jovem que depois de actuar vem à porta e, rodeado de jovens e menos jovens, conta a história do fado, entre poemas seus, desfilando retalhos de renome do fado como Alfredo marceneiro, Carlos Ramos, Fernando Maurício, Hermínia Silva, Amália Rodrigues, entre outros. O fado é a sua vida. "Deito-me com o fado, acordo com o fado", diz, e toda a sua postura o confirma. Lá dentro, mais uma voz se ouve, aplaudida no final entre vozes mais altas: "ai fadista!"

Tasca do Jaime
Morada: Rua da Graça 91, Bairro da Graça, Lisboa
Telefone: 21 888 15 69
Horário: Sábados, Domingos e feriados das 16h às 24h
Comes e Bebes: Há vários petiscos e pratos. Entre as especialidades pastéis de bacalhau, chouriço assado e prato de tapas