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14 de dezembro de 2011

HOMEM MISTÉRIO

Sentado à porta do edifício do escritório,  semi levantou-se, abriu-me a porta. "Bom dia. Obrigada". Não obtive resposta.
Não dei importância. No dia seguinte,  outro e mais outro, o ritual repetiu-se.
Fui observando pequenos pormenores. Ar limpo (será um sem abrigo?), cabelos brancos pelos ombros, pele clara, ar aristocrático, olhos azul céu, intimidantes. Junto a si, dois sacos cheios, quem sabe com os seus pertences.
Em cada dia, há mesma hora, outro detalhe. Habitualmente estava a ler. Houve um dia em que ao transpor a porta, hesitei, disfarcei procurar algo na mala e de viés, olhei. Lia um livro gasto, amarelado, em inglês.
A curiosidade aumentou. Enquanto subia o elevador inventava hipóteses da vida deste homem misterioso. Mas, ao envolver-me em papéis e telefonemas, esquecia. À saída ele não estava lá.
Aos poucos, por motivo algum, o homem de olhos azul céu, invadiu os meus pensamentos. “Amanhã…” Mas, nada mais conseguia dizer, sem obter resposta “Bom dia. Obrigada”
O desejo de saber mais foi aumentando e, num dia de coragem, acendi um cigarro a poucos metros da entrada, com o pretexto de ficar à porta mais um pouco.
Não levantou os olhos do livro, não se moveu, como se sentisse que eu ia ficar. É agora! Encho o peito de ar, um nervoso miudinho e…”Gosta muito de ler?” As palavras saíram aos soluços, nervosas… Silêncio. Não levantou os olhos. “Talvez tenha dito baixinho” . Repeti. Olhou para mim, sem expressão. Sem saber se devia insistir ou entrar…olhei nas profundezas daquele azul celeste. Lentamente, uma das suas mãos procurou algo no bolso esquerdo das calças. Eu, estátua, lembro agora que não pensei em nada. Assistia. Tirou um pedaço de papel amachucado e um lápis gasto e, escreveu, de modo que eu pudesse ler”surdo mudo”. Sem saber que atitude tomar, impulsivamente, fiz um gesto  com a mão, um sorriso e entro de rompante no edifício, o coração aos saltos. “Não devia ter agido desta maneira! Mas que aborrecido, não sei comunicar com surdos mudos!”. Entro no elevador e durante o percurso a ideia luminosa “Claro que sei! Através da escrita”. No dia seguinte, munida de papel para o inicio da nossa “conversa”. Ao aproximar-me sorriu. Escrevi a pergunta que havia feito e ele não ouvira. Entreguei o papel. Pegou no seu mini lápis e com uma caligrafia perfeita, escreveu “Gosto muito”.
Embora intrigada,  não tinha elaborado mais perguntas. Uma mistura de curiosidade, encantamento deixou-me bloqueada. Sorri e entrei.
Nos dias seguintes a uma pergunta minha uma resposta sua. Adorava ler, de preferência clássicos ingleses. Gostava de sol, do cantar dos pássaros ao nascer do dia, escrever poesia., “Um destes dias dou para ler”.
Donde vinha, o que fazia, porque estava ali todas as manhãs com o que parecia ser tudo o que tinha. Perguntas que queria fazer.
 Nesse dia entreguei a folha com as perguntas escritas. Leu, levantou a cabeça e olhou-me com olhar azul sorrindo e escreveu com letra desenhada”Amanhã tem a resposta”. Despedi-me com um sorriso.
O lugar que diariamente ocupava encontrava-se vazio. Parei, sem saber se deveria esperar ou subir. Continuei a olhar o espaço de silêncio à procura de respostas. Despertou-me a atenção um rolinho de papel a espreitar. Tirei-o devagar, desenrolei, as mãos a tremer de ansiedade. Um desenho. A tinta da china. Enigmático. No canto superior da folha”Para ti”.
“À primeira vista não passava de um ser que juntara o seu corpo humano a uma cabeça equina, com cauda de sereia e escamas de serpente”.
Continuo repleta de interrogações. Nunca mais apareceu.